domingo, 29 de novembro de 2009

A coisa disse

A coisa chegou numa coisa que parecia um barco voador.

A porta da coisa tinha sido aberta com grande estrondo apenas uns segundos antes de a coisa se fazer ver.

A coisa que vinha da coisa que parecia um barco voador disse: “TENHO A RESPOSTA A TODAS AS VOSSAS DÚVIDAS, AS EXISTENCIAIS E AS OUTRAS”.

Nisto, desceu por uma coisa que parecia uma corda e dirigiu-se aos que observavam a coisa que parecia um barco voador, há mais de uma semana, sem que percebessem o que era.

Todos aguardavam o discurso, boquiabertos, a olhar a coisa. E foi então que a coisa disse: “GRHUNDFTIZPAR, PERCEBERAM?”

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Ganga

O rapaz de calças de ganga sujas de terra das sucessivas quedas, caminha, com a mochila cheia de livros com letras impressas que ainda não sabe perceber, em direcção à escola.

Sentado na carteira, ao lado de quem lá está, também sentado, ouve com a desatenção que o discurso merece, os sons repetitivos que jorram da personagem ao pé do quadro preto com o giz branco na mão. Preto no branco, tudo se mantinha em silêncio, nos símbolos imóveis apresentados com a verdade suposta que alguém construiu.

No intervalo, chamado assim porque depois se retomaria o processo e agora era tempo para a pausa, olhava a rapariga sentada em cima do muro baixo que dividia, inutilmente por falta de altura, dois espaços que eram o mesmo. Sonhava, a rapariga, ao olhar para o pátio, com o que estava a ver. Sonhava enquanto via.

O rapaz, menino, nesse momento foi o menino, ao ter a lucidez da queda que sucederia ao sonho da rapariga, mulher, correu na sua direcção para amparar a queda inevitável após o despertar.
Inútil movimento e desperdício de energia. A rapariga sujou, pela primeira vez, as suas calças.