quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Bolota improvável

Sentado à sombra que a árvore fazia enquanto olhava para a linha que dividia o céu do resto do mundo visível, caiu-lhe no ombro uma bolota.

O cair não tinha sido voluntário, como o de uma coisa que cai de madura ou uma pessoa que se acaba, pelo menos para si própria, por se ter acabado o tempo.

Foi um pássaro que a levou a sofrer a gravidade, tomando o sentido do centro da terra. Não fosse ter batido no já referido ombro e, à parte também a existência de chão, aquele pequeno fruto, cheio de vida, ainda que em potência, tinha atingido o centro do mundo. Talvez até acabasse com ele… Nunca saberemos.

Não ficou perturbado. À semelhança do costume, seu pelo menos, aproveitou o incidente para pensar no Universo e extrapolou todas as leis da física a partir daquela inocente bolota.

Tivesse esta bolota consciência e talvez ficasse magoada com tanta atenção e responsabilidade, impostas por tão simples e involuntário acto: cair por causa de um pássaro com fome.

Chegou àquela parte da equação em que se pergunta se a bolota tem alma.

Parou.

Esquecendo por completo a alma das bolotas, voltou a olhar para longe de si.

Foi então que reparou que, por mais longe que tentasse ver, nunca deixava de ver o seu nariz, diga-se, para esclarecer quem não o conhece, um farto nariz, de apurado sentido, com abas largas que se abrem quando chega a hora de saber de que é a sopa trazida por quem a sabe fazer, que não será ele, com toda a certeza.

Facto que o passou a atormentar. Não saber fazer sopa resolve-se, podemos sempre aprender com alguém que saiba, perguntar, ou ir tentando até se acertar… Ter o próprio nariz, sempre ( ! ), no campo de visão é que, de tão complicado, não se resolve.

Foi então que tomou uma decisão improvável. Cheirou a paisagem. A bolota assistia a tudo fazendo-se de adormecida nas ervas secas em que tinha caído. O pássaro já se tinha ausentado, coisas da vida, e a árvore lá estava , bem agarrada ao chão garantindo apoio às costas do que cheirava o mundo enquanto imaginava o que lá poderia estar se não fosse o seu nariz.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Nome

Perguntaram-lhe hoje o nome. Três vezes. Nome?!

“Existo encriptado
Cristal apurado do que penso
Bebo tudo só de um trago e adormeço”

Seguiu a sua viagem. Estrada de terra e ervas daninhas muito verdes.
O rio repousava ao fundo.